sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Os doidos de interior

Entre tantos motivos que me atraem a vida no interior, um que me arrebata é a vontade de ver os doidos mansos nas ruas. Toda cidade tem os seus, só as capitais não têm - não doidos, mas mansos: o juízo sensível deles não deve suportar o frenesi urbano, por isso são tantos os dementes, assassinos, comedores de gato e neuróticos que vagam pelados pelas calçadas e avenidas.
Minha mãe conheceu vários nas várias cidades em que morou. Um mesmo era Jipe, salvo engano, de Jequié.
Era Jipe porque achava que era um Jipe. Fazia tudo que um carro faz: estacionava, pegava trânsito, até morria. Uma vez quando minha mãe viajava com os pais e irmãos numa caminhonete, viram Jipe no acostamento. Tinha faltado gasolina. Meu avô ofereceu carona e Jipe seriamente corrigiu: "Carona, não. Reboque".
Tinha Josina também, uma doida de Poções. A loucura dela era típica, cinematográfica: vivia vestida de noiva à espera do amado que, é claro, não chegava nunca.
Tia Gina, irmã de minha mãe e minha madrinha, gostava de atentar Josina. Pegava jornais velhos na rua, chamava ela e dizia "Ei Josina, carta de seu noivo!". A doida vinha correndo, pedindo pra ela ler e tia Gina criava a carta na hora, dizendo mirabolantes declarações de amor pra ver Josina chorando de emoção. Sorte de Josina.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

contemporaneidade

até onde é nosso tempo
o tempo do agora
o contemporâneo

que se deixa fugir por efemeridades
perdendo da seiva natural
sua profundidade

rápido, automático, digital
corra, coma, beba, ouça... seja?
passa, repassa, o quê?

resta o ínfimo reviver
o processo
aproveitamento
a fluidez saudável
do viver






no sol pára
apara o sol