quinta-feira, 31 de maio de 2007

A luz azul.


"Olha, Maira, olha para cima. Está vendo? Hoje é a lua azul!", me disse Amaralina no intervalo que dei para respirar do jongo que dançava na Lapa, e continuou "Então presta atenção: você vai procurar alguém e à meia-noite precisa olhar nos olhos desta pessoa e beijá-la, depois disso olhe para a lua que assim ficarás para sempre com essa pessoa!". Ai, Amaralina, que pesado, vai que eu beijo um cara nada-a-ver? Quero ficar pra sempre com ninguém não, disse. "Ai, mongol, 'o pra sempre sempre acaba' ".
Beleza, então. Vou dançar meu jongo e ir procurando olhos, olhos bonitos, interessantes, com boas energias... claro, se afinal terei de viver um "sempre" com a pessoa, tem que no mínimo possuir tais qualidades. Ai, olhei no olho dele mas não é nada disso. Merda... Vamos ver se outro olha. Ih, esse, deus é mais! Ai, esse também não.
Inventei de procurar mais pra longe os olhos pros quais olharia e depois concederia à lua a realização do desejo. Alguém quer ir comigo rodar pela Lapa? Não? Ninguém? Então vou só, pois como disse Amaralina, a lua azul só aparece 2 vezes por ano.
Não. Você não!
Sim, sou seletiva sim, e acho que foi por isso que perdi o momento de aproveitar a presença da lua azul.
Vai ter que ficar para a próxima.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

À friaca.


Cofraternizemos o bom vinho tinto.
E uma pergunta: por que o acasalamento é algo tão complexo?

terça-feira, 29 de maio de 2007

Conversa de msn entre pai e filha

Joana diz:
paiêee

Chico Pinto diz:
oi fia. separei o livro pra você ler sobre Rashomon.

Joana diz:
eu nao leio nada, papai. eu sou uma especialista em orelhas de livro, esqueceu? estou tentando escrever aquele seu argumento.

Chico Pinto diz:
qual?

Joana diz:
“a ultima canção”

Chico Pinto diz:
hummmmmmm, adoro essa idéia.

Joana diz:
pensei numa coisa. é um cara, um meio fã que mata ela, certo?

Chico Pinto diz:
acho que na idéia original, era um amor do passado que aparecia naquela noite e pedia uma música que foi deles.

Joana diz:
que massa! que nem casablanca!

Chico Pinto diz:
que nem todos os casais do mundo.

Joana diz:
e ele pode matá-la porque ela nao se lembra de alguma coisa?

Chico Pinto diz:
não, ele a mata por algum motivo bem mais grave. algo relacionado com o fim da relação, uma traição... anos e anos curtindo o ódio e o ressentimento.

Joana diz:
oxe, mas eles têm relação? ele não é amor do passado?

Chico Pinto diz:
eles tiveram... então, minha filha! calma. um homem entra num bar e assiste a um show de uma cantora. ele pede uma música, a última que ela canta. ela é encontrada morta num beco próximo. a polícia descobre na mão dela um bilhete com o pedido da música, a última canção

Joana diz:
e porque afinal ele mata ela??

Chico Pinto diz:
ele a estava procurando. eles tiveram uma relação no passado, interompida por uma fuga dela, uma traição.

Joana diz:
e isso lá é motivo pra se matar numa noite, depois de pedir uma canção!?

Chico Pinto diz:
tem o contexto, isso aqui é só um pobre resumo de um pobre roteirista mamão.

Joana diz:
pô meu paiii

Chico Pinto diz:
calma... é um bom começo. e uma traição é sempre um bom motivo pra matar.

Joana diz:
hahahahahahahahahahahahahahah

Chico Pinto diz:
pergunte a quem foi traído.

Joana diz:
pra mim uma traição é pouco, pra esse caso.

Chico Pinto diz:
né não, filha. eu posso pintar pra vc essa história com tintas fortes, cores quentes

Joana diz:
então pinte! pra mim ela deve ser uma mulher que nao quer compromisso com ninguem, e a obssessão dele por tê-la é o que o faz matá-la!

Chico Pinto diz:
nãoooooooooooooooooooooooooooooo

Joana diz:
ahh! ou voce me diz como é ou vai ser assim! hahahahahaha

Chico Pinto diz:
rsrsrssrs...... o "não" foi pra idéia do compromisso. eu prefiro uma tragédia clássica.

Joana diz:
então conte mais, como é que ele chega ao bar?

Chico Pinto diz:
ele passa anos investigando, ela rodou bastante. ela perdeu o amor por quem trocou ele.

Joana diz:
hummmmmmmmmmm

Chico Pinto diz:
ficou amarga, deixou de ser uma cantora de sucesso promissor pra cantar em lugares de quinta, mas ele nunca esqueceu. de certa forma, ela já esperava que ele um dia chegasse. quando o bilhete chegou até ela, ela sabia q era ele

Joana diz:
ela finge que nao entende e apenas canta?

Chico Pinto diz:
era uma música que tinha saído faz tempo do repertório dela. ela se entrega à morte. sabia que o dia dela chegara.

Joana diz:
cantar a música é entregar-se à morte!

Chico Pinto diz:
mais ou menos.

Joana diz:
uhuuuu, bala

Chico Pinto diz:
tá melhorando?

Joana diz:
tá indo bem!

Chico Pinto diz:
humm, e quem narra a história?? arráaaa... vc tem que ler o roteiro de Rashomon...

Joana diz:
bom, mas acho que esse assassinato tá muito morninho. muito morninho alguem cantar e saber que vai morrer

Chico Pinto diz:
não meu bem, não tá morno.

Joana diz:
muito morno sim.

Chico Pinto diz:
no.

Joana diz:
tá sim, ele vai, arrasta ela prum beco, e pá, mata?

Chico Pinto diz:
vc não está conseguindo enxergar como a história deve ser contada.

Joana diz:
então não estou mesmo.

Chico Pinto diz:
a morte no beco é o q menos importa. pense na história. pense no ponto de vista. podemos interferir colocando um personagem que vai desvendar a trama, talvez um irmão dela, uma irmã... alguém que chega avisado da morte dela, que descobre coisas no quarto dela.

Joana diz:
a irmã ou a policia?

Chico Pinto diz:
a irmã, é melhor.

Joana diz:
alguém como uma irmã pode entender o que significa aquele bilhete, certo?

Chico Pinto diz:
o bilhete só tem o nome da música.

Joana diz:
sim, e a irmã nao pode conhecer a historia dos dois com essa musica?

Chico Pinto diz:
não, ninguém conhece. outros elementos achados no quarto ampliam a visão da polícia.

Joana diz:
afe!!!!!!!!!

Chico Pinto diz:
minha filha, cinema não é ciência exata. tem que deixar a imaginação viajar. tem q colocar tensão na trama.

Joana diz:
eu sei, meu pai... acho que eu sou anta! nada disso esta se configurando na minha cabeça.

Chico Pinto diz:
bobagem. vc é uma menina q está começando a pensar nessa coisa, roteiro é técnica
e imaginação, e nada se resolve numa conversa de 5 minutos pelo msn, ok?

Joana diz:
uii! pode resoolver sim, viu.

Chico Pinto diz:
não, tem é muita ralação. roteiros são escritos em meses, as vezes anos... calma moça!

Joana diz:
vamos fazer uma oficina de roteiro igual em "me alugo para sonhar"

Chico Pinto diz:
e quem vai ser o professor?

Joana diz:
nao precisa, ne? voce lembra como foi feito esse? garcia marquez não deu o argumento todo com detalhes e podava as sugestões a seu juízo.

Chico Pinto diz:
mas tem q ter um mediador

Joana diz:
você!

Chico Pinto diz:
eu não, tem gente de cinema na Bahia que pode fazer isso

Joana diz:
acha que alguem ia querer?

Chico Pinto diz:
vc precisa ler pelo menos um manual de técnica de roteiro. eu tenho roteiros de filmes famosos tb, tem q ler... leia o argumento de Rashomon. tá aqui separado pra vc, poucas páginas.

Joana diz:
engraçadas as suas técnicas de sedução para capturar os filhos na leitura, sabia? as coisas que voce fala...

Chico Pinto diz:
rssrsrsrsrssrsrsrssrsrsrssrsrs

Joana diz:
o terrorismo que voce faz...

Chico Pinto diz:
a paixão que desperto? foi isso q entendi?

Joana diz:
você dizendo "minha filha, voce nunca leu fausto de goethe??? gente, estou preocupado com Joana."

Chico Pinto diz:
passar pela vida e ter podido teclar com voce pelo msn sobre um argumento pra um filme, já terá valido a pena por pelo menos algumas dúzias de eternidades

Joana diz:
algumas CALPASSSSSS*

Chico Pinto diz:
isso. e vc me preocupa mesmo, e sempre será assim. sua boba, vá pensar na idéia.

Joana diz:
ja to escrevendo uns negocios

Chico Pinto diz:
vou "forçar a barra" pra vc ler pelo menos uns três livros de cinema.

Joana diz:
certo

Chico Pinto diz:
filha, vou sair. bjs e não demore pra dormir

Joana diz:
ixe, ja tá é tarde. um beijo papai! boa noite, bons sonhos

Chico Pinto diz:
bjs

Joana diz:
(L)(L)(L)




***CALPA é uma medida de tempo que Borges explica em um dos capítulos da conferência das Sete Noites, mas não sei exatamente em qual. Pelo que me lembro, é mais ou menos assim:
Imagine que um anjo, com a mão mais leve do universo, pegue um lenço, da seda mais pura que existe e passe delicadamente e apenas uma vez em um dos lados de um imenso muro de ferro. Ele faz isso a cada 600 anos e, repito, apenas uma vez. Uma calpa é o período de tempo que demora para este muro GASTAR TOTALMENTE.
Ainda há uma outra explicação, mais prejudicada na minha lembrança, onde Borges diz que uma calpa corresponde a um lago, onde há uma argola boiando, sempre, e onde mora, no fundo, uma grande tartaruga. Ela precisa subir à tona para respirar apenas uma vez a cada 600 anos. A argola mede exatamente o diâmetro da cabeça da tartaruga e o lago é imenso, portanto, é remota a possibilidade da tartaruga acertar a argola em cheio. Uma calpa, nesse caso, corresponde a certa centena de vezes em que o pescoço da tartaruga atravesse essa argola.
Legal, ne?

Rolar, deixar rolar.


pensou em desistir
desacreditar
deixar passar ...

força, acima de tudo
segura firme
vamos lá!

depois esqueceu
deixou rolar,
acabou por se entregar!

Juca Peru.


Queria contar uma historinha da minha casa, de onde agora sinto falta e acredito ser saudável lembrá-la...
Numa rua onde o asfalto nunca havia pisado, onde a chuva encontrava um berço comprido para ninar, existia uma casa, de número 563-E, com duas castanheiras em frente, dispostas de forma simétrica com o portão, proposital ou não, vai saber.
Essa casa era muito pequena antes de uma família decidir lá morar. Saindo de um bairro "bem localizado" na cidade de Salva-a-dor* , Imbuí , a família resolve mudar-se para um ambiente arejado, distante, onde pudesse se acomodar à moda antiga, dos campos. Onde fosse possível mostrar à nova geração um pouco do que se viveu há tantos anos atrás e saciar o desejo dos pequenos de possuir animais de estimação.
Lá se foram, para a rua Mucambo, estrada de barro, clima de interior, sítio enorme e barato, para seu tamanho. Vizinhos que pareciam estar por ali pelo mesmo propósito, um ideal um tanto "alternativo", sim, o tempo de convivência explica as aspas.
A casa estava em decadência. A família resolveu então reformá-la. Com um ideal de assumir totalmente o caráter interiorano, resolveram contratar trabalhadores da própria região, para fazer o capital circular por aquele meio. E sabe como é, foram meses árduos de trabalho. Pilastras construídas apenas com 10% do cimento comprado- o resto está, provavelmente, sustentando a laje do sujeito- e retardando, assim, o processo de evolução da construção... Mas finalmente ficou "pronta" -mais uma vez, a experiência e convivência explicam as aspas.
A família feliz muda-se! O fiat Uno prata fica estacionado no quintal verde com sementes já afundadas preparando-se para colorir o novo lar.
Passado anos a casa já tinha galinheiro, cachorros, muitos passarinhos, minhocas, de quando em vez cobras, aranhas, gatos-do-mato, etc.
Até que foi decidido adotar-se também um peru e uma perua. Ah, já existia um casal de gansos, que merecem destaque rápido. Brancos e felizes. Fazem tudo juntos, o homem defendendo e protegendo sua mulher em toda e qualquer situação. Banho? Tomam juntinhos, cada qual com sua privacidade individual, se respeitando e amando. Um luxo ter em casa tal exemplo amoroso.
Voltando ao casal de perus. Pois foram comprados. Juca Peru é o nome do homem, e a perua, coitada, virou Perua mesmo.
O Juca Peru sempre foi atacado. Não sei se todos perus são assim, haveria de ter tido outras experiências. Mas Juca Peru tinha um "quê" de afetado - bom, não sei qual a palavra mais adequada pro momento.
Qualquer um que saísse ao quintal e desse de encontro com Juca, era fuga na certa, ou então luta, sim, ele pulava com as duas patas para cima da barriga do que mexesse com ele. "Escarrêrava mermo".
Alemão, que trabalha na casa até hoje, conhecia-o bem e já dizia que ele "gostava de brincar". Nunca vi muita brincadeira com aquelas unhas e bico, mas... cada louco com sua mania.
Um dia o peru revoltou-se. (Não disse que achava ele estranho? Sempre achei...).
Numa bela manhã, quando Alemão chegou e foi colocar milho para as galinhas... Um alvoroço no galinheiro.
Uma galinha morta! O galo puto da vida e o ganso junto com ele na briga contra o peru.
Sim! O Juca Peru matara a galinha! Quebrara suas pernas e estuprara-a!
Sempre achamos que galinhas são bichos burros. Eu mesmo achava, na verdade até hoje me pego xingando-as. Parecem muito descoordenadas. Odiava ter que entrar no galinheiro para pôr comida para elas, era sempre uma bagunça só, não conseguia observar nenhum tipo de organização que tinham e me questionava sempre como conseguiam viver em grupo sem nenhuma ordem. Mas chegou o dia em que se explicou a ordem do galinheiro. O peru, depois do assassinato cometido, do crime cometido, foi expulso do galinheiro! Ele não poderia ficar mais um minuto lá dentro senão seria esfolado!
Tivemos que construir um anexo ao galinheiro só para o peru e sua mulher.
Ahá! Mas aí estava o problema.
"Um peru precisa de um harém de peruas, não sabia?" disse alguém rindo para minha mãe quando ouvira a história. Ah, aí estava o problema. Os danados são poligâmicos!
Hoje Juca Peru deve ter falecido, depois de conviver em paz com duas peruas, seu galinheiro próprio e suas brincadeiras cotidianas com Alemão. Sumiu. Acreditam que o tenham roubado para comer.
Aí está um pouco da casa onde vivi durante boa parte de minha vida. Que daqui a uns anos serão, numericamente, poucos anos, mas agora, e sempre, terão signifativa importância.

*Por Camila inspirado.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Meu guia.

Ontem, depois daquelas conversas "efeito-pós-terapia" que temos com os melhores amigos, para quem resolvemos contar os mais podres de nós mesmos, fiquei com a pulga atrás da orelha.
Acredito que para todos seja difícil reconhecer dentro de si comportamentos influenciados pelos valores externos, que a sociedade nos impõe. Reconhecê-los já é um grande passo, mas depois, depois de reconhecer que de fato, muitas vezes, nos comportamos tomando decisões pouco próprias, mais influenciada pelo meio que pela nossa vontade, depois de saber disso, que devemos fazer?
Ouvi ontem o que estava precisando há algum tempo, já.
Muitas vezes precisamos ouvir para nos conscientizar de algo que já existia em nós - só como desconfiança, não como fato. Depois de uma opinião outra conseguimos refletir e admitir a veracidade do caso.

A questão que tem me complicado emocionalmente é a graduação, o vestibular, o ensino superior.
Tenho assumido uma postura de quem está decididamente preparada para o tranco e enconrajada a investir neste objetivo. Mas muitas vezes sei que lá no fundo, fundo de alguma coisa, de mim, do inconsciente, consciente, massa cefálica, sei lá, sei que é fundo, sinto a existência de outro desejo que não estimulo.
Será que seria o caso de me dedicar a outros prazeres ?
A faculdade é sim importante, a experiência e o currículo também o são, eu sei. Mas será agora a hora?
Ai, crises...
Que meu Oxóssi do campo me ajude.

The man I love.


"Someday he'll come along
The man I love
And he'll be big and strong
The man I love
And when he comes my way
I'll do my best to make him stay
He'll look at me and smile
I'll understand
Then in a little while
He'll take my hand
And though it seems absurd
I know we both won't say a word

Maybe I shall meet him Sunday

Maybe Monday, maybe not
Still I'm sure to meet him one day
Maybe Tuesday will be my good news day
He'll build a little home
That's meant for two

From which I'll never roam
Who would, would you

And so all else above
I'm dreaming of the man I love"

George and Ira Gershwin

domingo, 27 de maio de 2007

uma refeição

Ah, cozinheiros do mundo, que bom seria se vocês resolvessem de uma vez, em conferência espúria entre os chefs do mundo, decretar boicote oficial aos condimentos preparados de supermercado.
Que delícia é saborear uma refeição com temperos de verdade!
Hoje tivemos um almoço pelo aniversário de meu pai. Entre os seletos convidados, um casal amigo trouxe Pã, a deusa da alegria selvagem, encondida em tomates sem pele e vistosos maços de manjericão fresco.
Apossaram-se do ambiente como chefs que se prezam, dos que vestem o avental da boa cozinha vistoriando desde o primeiro passo até a preguiçosa retirada e lavagem de louças.
Como reza o catecismo das refeições em família, a hora do almoço desse domingo foi quase à hora de jantar. Esperávamos, famintos, beliscando e bebericando paliativos para a fome, chegando quase a saciá-la - ou a acalmá-la, num recurso interessante para degustar com a devoção devida o que se está por vir.
E então, o almoço ficou pronto. Todos à mesa. O chef conferia de soslaio; admirava as travessas, ao contrário dos demais, com parcimônia, acostumado com o próprio tempero.
Gente, que delícia! Comida que faz o tempo parar na primeira garfada. O aroma de cravo, canela e da carne ignota - de nome refinado demais pra esta pobre escriba recordar -, o azeite saboroso, os tomates - que tomates! - poderosíssimos pelatti...
Tudo vermelho e verde, tomate e manjericão, minha combinação perfeita e preferida entre cores e sabores.
De sobremesa, um desbunde açucarado com muito chocolate, morangos e cereja.
Bebi água entre algumas pequenas doses de licor de jenipapo e o vinho tinto do brinde.
Depois, levei duas irmãs e dois cunhados até seus ninhos de amor e voltei cantando, no carro, sozinha, feliz e de barriga cheia.
Agora sento-me para registrar estas sensações, antes que o sabor raro da doce saciedade me escape...



O amor
o blue
Azul
Nu

Nuca nua.


"Ih, vai ficar parecendo um menininho", "É, já está ficando forte, com corpo de homem, por causa da Escola Nacional, agora de cabelos curtos então?".
São brincadeiras como estas que fui obrigada a ouvir e testada a suportar para, mesmo assim, realizar o sonho de ter a nuca livre e nua.
A feminilidade é algo muito complexo. Para uns está nos cabelos, para outros na mentruação, no uso de saias, saltos altos... Mas eu acredito muito bem que de cabelos curtos, na menopausa, com uma calça linda e uma sandalinha rasteira, uma mulher possa, muito bem, ser super-feminina!
E assim estou, com os cabelos curtos e feminina.
Claro, não escondo o uso de pomada, creme para pentear, brincos, batons e blush (sim, parece que sem cabelo resolvi descobrir as artemanhas de uma mulher e seus apetrechos decoradores).
Os cabelos compridos têm um ar já antigo de marca feminina, antes mulher alguma cortava os cabelos curtinhos e batidinhos na nuca, talvez seja do incosciente coletivo de homens, e algumas mulheres, a relação entre feminilidade e cabelos compridos. Pois foram poucos os homens a me apoiar nesta empreitada.
Não demorei a colocar em prática, não. Quando tenho esses "insites" não penso muito depois de decidir de primeira. Se disse "Quero, e vou cortar", minha (meu) querida (o), pode ter certeza de que em uma semana, no máximo - a não ser que a Lua não permita - estarei como disse. Ou pior!
Foi assim que aconteceu. Numa sexta-feira, no ensaio da peça, falei sobre esse desejo antigo de querer cortar minhas madeixas. Sim, acredito que estavam carregadas com uma história, vivências, bla-bla-blá, e queria mudar. Queria dar início a outro ciclo, a outro crescimento e desenvolvimento. Além da vantagem da praticidade. Para quem está todos os dias se exercitando anaerobicamente e aerobicamente, cabelos cacheados e compridos são sérios empecilhos. Então não conseguia cumprir com a regra fundamental de lavá-los dia sim e dia não. Terminava a aula da ENC (Escola Nacional de Circo - repetirei este termos mais vezes, provavelmente) com os cabelos molhados, encharcados - porque para quem me conhece, sabe a cachoeira que limpa meu corpo e alma- portanto, necessitados de um banhozinho.
Por este e outros motivos resolvi, numa conversa descontraída, radicalizar logo, não esperar por mais nada, pelo frio que está por vir, pelo outro tanto de cabelo por crescer, por nada, quero agora, quero hoje! Sim, cortarei amanhã, no sábado, disse. E todos da companhia ficaram meio desacreditados e ao mesmo tempo temerosos que eu cometesse aquela insanidade.
Fui para casa e lembrei não saber em que lua estávamos naquele dia. Oh, não, lua minguante, confirma meu calendário. Não posso cortar na lua minguante de forma alguma. Para meu cabelo, minha vida, minguar? Deus é mais! Mas a lua crescente vai demorar, só daqui a duas semanas, pensava eu. Ah, só que semana que vem é nova. Lua nova! Pronto! Perfeito: renovação, cabelos novos, um novo ciclo... Viva a lua nova! Semana que vem, de nuca nua!
Lembrei de uma amiga que tinha cortado há 2 anos os longos cabelos e deixado apenas alguns caracóis na cabeça. Liguei imediatamente e pedi indicação da figura com quem havia cortado. Werner do Leblon, Lucí, o nome dela. Meu deus, caro, provavelmente, né? Não importa, para uma mudança tão radical vale a pena. Ligarei e marcarei o horário. Que dia começa a lua nova? Quarta-feira.
Estava eu lá, indo de ônibus numa quinta-feira, às 16h, sozinha, à procura da rua Dias Ferreira. Nunca tinha ido ao Leblon, só passado de carro ou ônibus (sempre achei um bairro que mais parecia um shopping ao ar livre que qualquer outra coisa). Cheguei. Werner, aqui vou eu.
"Boa tarde, tenho um horário marcado com a Lucí, por favor." A moça olha um grande papel com divisórias para dias da semana e horários onde escrevia os nomes dos profissionais ocupados. Uma mulher, cortando um cabelo liso e loiro de uma senhora e repicando-o, pergunta "É para Lucí?", "Sim" ouço a recepcionista responder.
Foram uns 7 minutos esperando, que me pareceram uma eternidade. Consegui olhar todo o espaço à minha volta, as pessoas que haviam acabado seu banho-de-salão corrigindo-se nos espelhos, os profissionais caminhando e cada uma que passava ao meu lado encarava, achando que era a tal Lucí, que cortaria meus cabelos. Muita menina moça, pensava comigo então: e se for uma dessas a Lucí? Meu deus, não vou confiar.
A senhora prepara-se para ir embora com os cabelos estilosamente rebeldes e a que cortara seu cabelo me olha "É você a Maira?". Meu deus, ela é a Lucí! "Sim, e você é a Lucí, certo?". Sorridente " Sim, sou eu.".
Em menos de cinco minutos expliquei o que queria. Primeiro ela entendeu que queria deixar só dois dedos de cabelo, então foi direto para minhas quedas apontando que elas apareceriam. Depois de explicado ela se empolgou, disse que ia ficar lindo e começou o processo. "Ah, preciso guardar o cabelo para mandar para minha mãe, tá?"; me deu uma bolsa onde eu colocava meus cachos.
Saí de nuca batida, depois de dois cortes, onde aos poucos foi conquistando minha confiança e lançando mão da tesoura realizava sua idéia.
Combinei com um amigo de sair depois do corte. Esperei-o um tempo na porta do salão, pouco à vontade, acreditando que todos olhavam para meu cabelo e alguma coisa pensavam, alguma opinião tinham, assim como cabeleleiros que no final do corte vinham olhar e eu, através do espelho, via que comentavam a respeito do processo feito pela Lucí, que me pareceu ser uma das mais competentes naquele ambiente.
Meu deus! Nuca, você está linda!
E a partir de então ouço coisas como: Betty Boop, produtora cultural, Amelie Poulain - deste até gostei bastante! - , mulher, mulher mais velha, séria, nada muito diferente de como era antes, linda...
E assim por diante. Será que os elogios foram verdadeiros? Não sei, importa que eu, de fato, renovei e feliz estou com o início deste processo.
(Desculpa pelo tamanho da história, aos poucos aprenderei a sugar parte de meus devaneios e tornar a leitura mais prazerosa!)


A noite embriaga-me de coragem e liberdade.
Perigoso? Talvez. Mas de já, acredito ser bastante útil.
A vontade é de, às vezes, explicitar verdadeiramente, relatar, com floreios superficiais... Mas muitas vezes, não nego, a vontade surge cifrada.
Claro, um motivo para parar alguns minutos e refletir a respeito.
Mas até a gente conseguir "desCIFRAR" esses desejos, oh, aí teremos altas dos terapeutas.

sexta-feira, 25 de maio de 2007





acredito neste espaço
na sua liberdade, no seu acesso
como um horizonte
onde o limite é tão nítido
mas ao mesmo tempo inalcançável

portanto, permito-me
agora, e mais que nunca
o gozo da libertação
a transparência segura

o medo encorajado

Nomes das coisas

E um belo dia, uma amiga e ex-aluna do professor de redação que me daria aula no pré-vestibular, me conta a proposta feita por ele à sua turma de 3° ano colegial:
- Quero que vocês me digam uma palavra que achem bonita.
Talvez por timidez, os ouvintes demoraram a se manifestar. Quando o primeiro se arriscou, a palavra proferida foi "Solidariedade". Depois disso, sentindo-se situados, os demais começaram a dizer outras coisas de bonita simbologia como "amor", "felicidade", "generosidade", "compaixão" etc.
Muito compreensivo e didático, o professor deixou que eles falassem por um tempo, até que interviu:
- Uma palavra que acho bonita é jangada. Jangada... Sozinha, parece um poema.
Minha amiga olhava pra ele, admirada. Não sei se falou uma palavra, mas tinha entendido claramente o que ele quis dizer.
Alguns ainda continuaram, talvez sem perceber:
- Alegria!
- Humildade!
Raramente alguém diferia:
- Cidreira...
Vi outro dia o Jô Soares fazer coisa parecida com a platéia. A palavra de que ele gosta é "carimbo". "Carimbo é linda, tão redondinha... Carimbo!", dizia. Achei ótimo.
Eu gosto de trôpego e de papoula.
E vocês?

55010.

Como foi agora inaugurado, gostaria logo de contar um "causo" que presenciei há 2 dias...
Estava eu voltando da Praça da Bandeira, como todos os dias - salvo exceções grevistas- com o ônibus 434, Grajaú, para ir até a Lapa, pegar um outro ônibus e subir pra casa (pois a preguiça de subir a pé é muitas vezes vencedora da economia de 2 reais). Então... Abri meu livro e começo a ler, não com tanta empolgação. Resolvi ler um livro que meu pai já há algum tempo comprou para mim, sem má fé, queria que estudasse mais história, para o vestibular, e me comprou um livro sobre os trinta primeiros anos depois da "descoberta" do Brasil, ou seja, de 1500 a 1530, mas onde já se viu cair isso no vestibular? Tudo bem, é a história do meu país, não leio só o que me interessa para fazer vestibular, portanto, abri o livro e comecei a lê-lo... Chegando na rua do Riachuelo interrompi minha leitura para dar ouvidos e olhos a uma mulher bonita, alta, de cabelos escuros e lisos, que gritava de forma absurdamente grossa com um senhor. Pelo que deduzi, o senhor havia lhe pedido licença para sentar ao seu lado, onde existia um lugar vazio, mas como estava ele carregando um trambolho, a mulher se irritou, e levantando gritou: "Vai, porra, senta logo! Que merda, já me fez levantar, eu lá sou obrigada a dar lugar para você com esse trambolho?", e claro, o homem retrucou " Que foi? Tá estressada, é? Isso é falta de homem!", e sabe como é, começou o bate-boca bem baixo (nível) entre os dois e o ônibus inteiro de platéia impressionado com a cena. Ela havia se levantado e em pé continuou, em frente à porta traseira do ônibus. Nesse minuto, quando aparentemente a discussão acabara, me virei para frente e meus olhos esbarraram-se com a figura de um homem alto, relativamente forte, com uma roupa de esportista mas sem ter precisamente acabado de fazer, ou estar indo fazer, algum esporte, passando pela catraca do ônibus e com uma feição de um homem centrado e um ar lá longe de revoltado, como o John Travolta interpretando um personagem com caráter semelhante. Ele caminhou em passos ritmados e longos da catraca até a porta traseira onde situava-se a dita cuja. Isso deve ter durado coisa de 7 segundos, no máximo, essa caminhada. Assim que se deparou com a mulher, de forma muito precisa, lançou a mão forte, espalmada, na cara da figura, uma, duas, três e pela quarta e última vez a fez cair sentada na cadeira única do ônibus que fica de frente para o corredor. Durante esses segundos eu senti meu coração acelerar e minha cabeça entrar em curto circuito. "Que faço? Filho da puta! Mas, porra, a mulher foi uma cavala com o senhor também. Vixe, devem ser namorados, casados, ela já deveria estar brigando com ele lá fora e por isso tratara o senhor tão mal. Sim, estava estressada e era, como o senhor dissera, falta de homem. Mas, meu deus, como o homem esbofeta-a assim, na frente de todos?". Sim, isso e muito mais me passava pela cabeça e eu já tremia. Ela caiu na cadeira sentada, com uma sombrinha semi-fechada na mão e a bolsa, que caíra dos ombros, na outra. Seu rosto estava vermelho dos tapas e do choro que já marcava seus olhos e bochechas. Ele gritou neste instante, depois do tapa e de sua queda na cadeira, com um ar muito sério e de quem acabara de fazer algo muito justiceiro, para o motorista: "Motorista, abre a porta!", mas nada aconteceu e o ônibus continuava a movimentar-se, em baixa velocidade, "Abre a porta de trás, motorista!", gritou mais uma vez e então o ônibus deslocou-se para a direita, parou e a porta de trás abriu. Enquanto isso ele já a olhava e eu, que só via nesse momento o rosto dela, entendi que olhava para ele sem reação, e com certa intimidade, dizendo "Pera aí, deixa eu me arrumar. ", como quem pede por favor um minuto para se preparar para a nova bofetada, e a mulher ao lado, só ouvi a voz, pede, com clemência " Moço, pelo amor de Deus, não bate nela não.", mas ele a puxa, como um namorado ou marido ou pai, que não suporta ver aquele show de mimo, e a joga para fora do ônibus. Como até então minha suposição era de briga conjugal, imaginei que fosse descer junto com ela. Mas, pera! Como assim? Ele pede para o motorista seguir viagem e se dirige para a mesma cadeira onde a mulher caíra e se senta! Filho da puta! Será que não a conhecia e cometeu esse ato violento diante dos olhos de crianças, jovens, adultos e idosos, assim? Ai, alguém, meu deus, fazei justiça! Serei eu? Minha vontade é partir para cima dele e meter a porrada, aí sim, aprendemos todos... ou não. Porque ela aprendeu, sim. Pelo menos acredito que não mais tratará algum senhor, ou qualquer um, daquela forma. Mas ele, que aprendeu? Que pode bater assim nos outros em público e que ninguém dirá um "ai" sequer. Merda. Mas que farei, também? Se teve essa atitude pode muito bem estar armado. Por que iria arriscar minha vida nessa situação?
Desci do ônibus chorando e tremendo. Tentei olhar para ele, mas não consegui ver seus olhos, e também não tinha o desejo de encontrá-los. Assim que o ônibus começou a andar pensei rapidamente, "O número do ônibus! Sim, é o que posso fazer, denunciar esse homem!". Olhei fixamente para o número do ônibus com o fim de decorá-lo, depois pensei nas consequências dele poder ter visto isso, mas a gente acaba se arriscando mesmo nesses momentos, e saí à procura de uma viatura. Ali! Tinha achado uma que por coincidência (se é que essa existe) parou pouco mais à frente no sinal vermelho. Corri atrás dela, mas não cheguei a tempo. 55010, é o número do 434 onde vi acontecer esse "causo".
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